quarta-feira, 13 de março de 2013

Dica de Livro: Papisa Joana

Bom, como sou oportunista, vou aproveitar o ensejo da escolha do novo papa para trazer a dica de um livro que li meses atrás. Trata-se nada mais nada menos do que a história romanceada de um mito amplamente difundido na Idade Média européia e sistematicamente atacado (e vale ressaltar, com grande sucesso, já que quase ninguém o conhece por aqui.) pela Igreja Católica. Isso não me surpreende deveras, visto que somos uma nação de ignorantes históricos.

O livro em questão é Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross, traduzido e publicado pela Geração Editorial. 
Isso mesmo, caro leitor. Você não leu errado. Eu disse Papisa.
Mas antes de explicar o assunto deixe-me falar um pouco sobre o livro. Antes de mais nada, deixo claro que não sou crítico literário e, portanto, a opinião expressa sobre a narrativa é unica e propriamente pessoal. Posto isso, vamos lá:

A Joana da ficção:

Donna Woolfolk Cross, traz nessa obra um envolvente romance que se dispõe a contar toda a vida dessa controversa (e para muitos fantasiosa) figura, que pode ter vivido no século IX depois de Cristo. A personagem principal é filha de um diácono inglês e de uma saxã convertida (que ainda venera seus antigos deuses) e se passa exatamente após o reinado de Carlos Magno. Muito bem ambientado historicamente, a autora nos apresenta um cenário rico em elementos da época e deprimente no tocante a vida das pessoas do que era a Europa Cristã nesse período. Mas, para mim, o grande charme do livro é o fato de a história ser contada através do ponto de vista das mulheres, que como era de se esperar, não tinham muito crédito nessa era sem lei de invasões bárbaras.

Cena do filme homonimo baseado no livro de Donna W. Cross
O ponto negativo fica por conta do que eventualmente acontece com todos os livros que se dispõem contar a vida inteira de um indivíduo em poucas páginas. Grandes saltos por períodos importantes que por vezes deixam o leitor um pouco confuso sobre a passagem do tempo. E a ausência de um antagonista forte, que não a própria sorte de Joana.

Mas em seu todo é um livro muito bom, divertido e interessante que cumpre aquilo a que se dispõe. Ensinar de uma forma menos maçante como se deu a construção de nossa sociedade ocidental, divertir o leitor com as desventuras da personagem título e seu grande amor e... Lançar sobre a Igreja o holofote da grande pergunta: Por que não? Afinal em que há de tão vergonhoso assumir, em nossa Era da Informação, que uma mulher reinou sobre a fé cristã durante um breve e conturbado período de tempo?

A Joana de verdade

Representação medieval
da Papisa Joana
Não há consenso entre os historiadores (o que não é uma novidade, afinal raramente há um.) sobre a veracidade do mito sobre a Papisa Joana. Nem ao certo quando e onde ele surgiu. O que se sabe é que os primeiros textos em que a lenda aparece transcrita datam do século XIII, ou seja, quatrocentos anos depois da suposta vida de Joana. Algumas histórias a identificam como uma bizantina que, por ser muito inteligente e inconformada por ter seu aprendizado negligenciado por conta de seu gênero, se disfarça de monge e vai a Roma, onde conquista a todos com sua erudição. Outras, como o livro indicado, a transformam em descendente de um clérigo inglês e após deixar a casa dos pais, se veste de homem e segue para Roma onde sobre a falsa identidade de João Ânglico (Anglo que mais tarde converter-se-ia no inglês), encanta a todos na capital do catolicismo e acaba aclamada Papa  após a morte de Leão VI. A única coisa em comum entre ambas as lendas é a forma como Joana morreu. Que eu vou omitir para não estragar a surpresa daqueles que se aventurarem a ler o livro.
No final do romance, a autora vem em defesa de sua personagem apresentando vários pontos que serviriam para justificar a veracidade do mito. A mais emblemática delas é a cadeira papal (Que mais parece uma privada diga-se de passagem...) cuja finalidade seria efetivamente atestar a masculinidade de seu ocupante. 
É certo que a história como ciência se baseia em fatos. E é certo também que seria muito difícil provar que Joana existiu em se tratando de uma instituição que literalmente moldou o saber moderno. Séculos de sistemática perseguição documental seriam plenamente suficientes para erradicar a existência da mulher maldita que desafiou a poderosa Igreja Romana, contudo, nem mesmo esta instituição poderosa seria capaz de erradicar completamente uma história contada de boca a boca. Mas, como disse, não podemos viajar nas linhas metafísicas da suposição quando o assunto é ciência histórica. 

Papisa Joana representada
como Anti-Cristo
Joana pode ser apenas uma invenção, usada pelos inimigos da Igreja num passado em que ser mulher guardava em si o estigma da danação eterna. "Se as mulheres sofrem para trazer os filhos ao mundo é para pagar pelo crime de Eva", é um pensamento ainda difundido em muitos rincões proselitistas do mundo. Assim, na época, ter uma mulher governando a fé católica seria uma vergonha escandalosa. E depois veio a reforma protestante para jogar ainda mais lenha na fogueira atiçando os tradicionalismos católicos e gerando uma contra-reforma cheia  de conservadorismo que se perpetuou dali em diante, sepultando definitivamente a possibilidade de um dia saber-se a verdade sobre a história do mito Joana.

Para mim, esse é um terreno pantanoso demais para se afirmar qualquer coisa. Ambos os lados tem munição para trocar até o dia do Juízo. Mas não vou resistir de acrescentar o meu cadinho de lenha a fogueira. George Orwell definiu perfeitamente o conceito que vou brevemente abordar: novilíngua. Quem leu 1984 sabe do que se trata, quem não, aqui vai um resumo: é uma nova língua que ao invés de abarcar termos para explicar as coisas, trata de suprimir os existentes, impedindo que seus falantes sejam sequer capazes de pensar naquilo. Ou seja, você não saberia o que é revolução se não tivesse uma palavra para descrevê-la e, portanto, não pensaria nela.

Por que eu citei isso? Bem, nós temos uma palavra para descrever um Vigário de Cristo do sexo feminino certo? Não é só papa mulher: É papisa.

E se há palavra...

5 comentários:

  1. Tomei conhecimento do seu blog através da divulgação feita pelo blog A ARTE DE ORGANIZAR. Logo fiquei curiosa e interessada pq história e mitologia muito me interessa (rsrss). Gostei muito da sua indicação e dos comentários muito pertinentes. Com certeza me despertou a vontade de ler A PAPISA JOANA.
    Gostaria de deixar uma sugestão para sua avaliação e quem sabe algum comentário. É o livro: A TIRANIA DA CRUZ, de Zé Luiz Morales. Também sobre a igreja católica, fundamentado em pesquisas historicas. É polêmico, mas nos induz a uma fé raciocinada, ou no mínimo, uma excelente aula de história.
    Grata pela atenção
    Lêda (lemonge.riel@gmail.com)

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    1. Lêda, obrigado pela dica. Vou procurar o livro indicado e prometo comentar sobre ele.

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  2. Parabéns pelo blog e parabéns pelos assuntos e não é cedo pra dizer que já é sucesso.

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  3. Concordo com a *betinha*. Esqueci de dizer que o livro em questão, encontrei em www.clubedeautores.com.br
    Gratíssima pela atenção.
    Lêda (lemonge.riel@gmail.com)

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